O Tribunal Superior Eleitoral – TSE, órgão máximo da Justiça Eleitoral, de acordo com a redação do inciso I, artigo 118 da Constituição Federal em sua última sessão, no dia 16.05.23, julgou pela cassação do mandato do Deputado Federal (e ex-Procurador da República) Deltan Dallagnol, eleito com mais de 300 mil votos, sob fundamento de violação a letra “q”, do inciso I, do artigo 1º da Lei Complementar n. 64/90, por falha no registro de candidatura.
A ação inicial começou no TRE do estado do Parará, ajuizada pela Federação Brasil da Esperança–Fé Brasil (PT/PCdoB/PV) e pelo PMN, julgado improcedente, em virtude que, na data do registro de candidatura, não existia nenhuma irregularidade que tornasse “ficha suja”. Inconformados, os autores recorreram para o TSE que reformou a decisão do TRE/PR para indeferir o registro de candidatura, incorrendo nos desdobramentos de invalidação da diplomação e posse, com cumprimento imediato da decisão: “De outra parte, comunique-se ao TRE/PR para fim de imediata execução deste acórdão, independentemente de publicação, nos termos da jurisprudência desta Corte”
Entenderam os ministros da Corte Eleitoral que o deputado não preenchia requisitos legais para registro de candidatura e posterior diplomação, derivado da existência de 15 procedimentos administrativos diversos em curso, que o tornava inelegível.
Vejamos parte da ementa (resumo) da decisão nesse sentido: “2. A controvérsia cinge-se a duas causas de inelegibilidade: (a) art. 1º, I, q, da LC 64/90, alegando-se, dentre outros fatos, que o recorrido antecipou seu pedido de exoneração do cargo de procurador da República para contornar a concreta possibilidade de que 15 procedimentos administrativos de natureza diversa fossem convertidos em processos administrativos disciplinares (PAD); (b) art. 1º, I, g, da LC 64/90, pois o recorrido, como coordenador da Operação Lava Jato, teve contas públicas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União por irregularidades no pagamento de diárias e passagens a membros do Ministério Público Federal que atuaram na referida força-tarefa.”
Ocorre que, na própria decisão do ministro Relator Benedito Gonçalves, existe o reconhecimento que na data da exoneração o deputado federal não tinha nenhum procedimento aberto contra si, visto que os 02 Processos Administrativos Disciplinares – PAD haviam encerrado com aplicação de censura e advertência: “a anterior existência de dois processos administrativos disciplinares (PAD), com trânsito em julgado, nos quais o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aplicou ao recorrido as penalidades de censura e advertência.”
Com base nos 02 processos administrativos que acarretaram censura e advertência, os ministros do TSE fizeram a interpretação de previsão do futuro, mais ou menos da seguinte forma: “Se em 02 PADs acarretaram a punição! Então, os 15 procedimentos administrativos (diga-se, que pode virar PAD ou não) que foram abertos (mesmo depois da exoneração) podem punir deputado com sanções. Logo, ele saiu antes que o pior ocorresse. Portanto, vamos torná-lo inelegível (ficha suja)”.
Diante disso, como explicar para a sociedade que é cláusula pétrea (imodificável) na Constituição Federal o princípio da inocência, que não podemos ser condenados antes de uma decisão judicial que não permite mais recurso (transitada em julgado)? Como explicar que no momento da exoneração do cargo de Procurador da República não havia nenhum procedimento administrativo, pois todos os procedimentos abertos foram após sua exoneração? Como saber se seriam abertos após sua exoneração? Qual a explicação para dizer ao público que não cabe interpretação ampliativa para punir alguém?
Tal entendimento é básico em se tratando do princípio da estrita legalidade, que não é nenhuma novidade para o Judiciário. O próprio STF tem vários julgamentos nesse sentido: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 124.552, julgado pelo Ministro Luiz Fux: “…Impossibilidade de interpretação extensiva. Se fosse intenção do legislador contemplar tal hipótese, teria incluído na referida lei a previsão do instituto da reversão, o que não ocorreu.”
A decisão causou tanto impacto que o ministro aposentado Marco Aurélio ficou perplexo e se manifestou com frases duras e impactantes: “foi uma interpretação à margem da ordem jurídica” e “enterraram a Lava Jato e agora estão querendo enterrar os que protagonizaram”.
É arrepiante e amedrontador decisões baseadas em previsões de futuro, usando os sagrados princípios constitucionais como arma de ataque e não de pacificação; como instrumento de perseguição, o que nos faz lembrar o poema – “No Caminho”, de Maiakóvski. Finalizamos com as palavras do livro de Habacuque, capítulo 1, versículo 4: “Por esta causa a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta; porque o ímpio cerca o justo, e a justiça se manifesta distorcida”.
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