A certidão de nascimento da moderna indústria brasileira tem pouco mais de 80 anos. Foi no início da década de 1940 que o presidente Getúlio Vargas obteve dos Estados Unidos um empréstimo de US$ 20 milhões para construir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Agora, temos novo encontro marcado com Washington. Vai dar uma boa química?
A CSN foi criada por decreto, em 1941. Mas faltava o dinheiro para colocá-la de pé. Vargas viu na II Guerra Mundial, já em andamento, uma possibilidade de negociar com as duas grandes potências econômicas do momento – Estados Unidos e Alemanha – o financiamento necessário.
Os EUA entraram na guerra depois do ataque japonês a Pearl Harbour, em dezembro do mesmo ano de 1941. E buscaram o apoio do Brasil, que tinha como grande trunfo a posição geográfica do Nordeste, importante para o domínio do Atlântico Sul.
Vargas conseguiu negociar com Washington a concessão do empréstimo para a criação da CSN, que só viria a funcionar em 1946. Em troca, aceitou a implantação de base americana no Rio Grande do Norte e a criação da Força Expedicionária do Brasil.
Em 28 de janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações com os três países do Eixo. Sete meses depois declarou guerra à Alemanha e à Itália. A aproximação com os Estados Unidos foi selada em janeiro de 1943, durante visita a Natal do presidente Franklin Delano Roosevelt.
Agora, 82 anos depois, já se especula uma possível viagem ao Brasil do presidente Donald Trump. Mas o caminho para a reaproximação entre os dois países, afastados após a posse da atual administração em Washington, ainda promete ser cheio de obstáculos.
Trump reservou ao Brasil um dos piores capítulos de sua longa jornada de punição a parceiros comerciais que, a seu ver, impõem prejuízos a seu país. Uma sobretaxa de 50% acertou em cheio exportações de produtos brasileiros como café e carne.
No início ele vinculou a retirada das sanções à suspensão “imediata” do processo no Supremo Tribunal Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele ainda tece discretos elogios a seu antigo aliado no campo da direita. Mas esboçou abertura à negociação.
O encontro de Trump com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no campo neutro de Kuala Lumpur, à margem da reunião de cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) serviu para quebrar o gelo.
Seria demasiado otimismo esperar que desse encontro já saísse algo como a suspensão de tarifas adicionais ao Brasil. Mas a troca de sorrisos e apertos de mão entre os dois presidentes foi a senha necessária para o início dos trabalhos de negociação.
Agora não há nenhuma grande guerra em andamento, como nos tempos de Getúlio. Existe, porém, uma inegável disputa pela hegemonia econômica – desta vez com a substituição da Alemanha pela República Popular da China.
Pois a China procura recuperar o status de grande potência que já foi seu durante séculos. E os Estados Unidos lutam para manter seu papel principal na economia global.
O ataque de Washington à ordem liberal que lhe foi conveniente por décadas já rendeu alguns resultados. A União Europeia, por exemplo, aceitou um acordo que lhe impôs taxas de 15% e rendeu ácidas críticas internas.
Um acordo com a China pode ser o próximo da fila. Mas não será fácil. O governo em Beijing não pretende aceitar qualquer negócio para se livrar das altas tarifas.
E como fica o Brasil nisso tudo? O governo Trump parece disposto a atrair o país para a sua área de influência, reduzindo, ao mesmo tempo, o peso da presença chinesa na maior economia da América Latina.
Começou jogando duro, ao impor tarifas proibitivas sobre produtos brasileiros. Para admitir reduzir as taxas e (quase) voltar à normalidade das relações bilaterais, impõe condições como o acesso americano a minerais estratégicos no subsolo brasileiro.
Na década de 1940 estava em jogo a criação de uma indústria no Brasil. O aço viria a permitir, por exemplo, o estabelecimento de uma indústria automobilística, com a participação de empresas americanas e europeias.
Uma nova onda industrial chega neste momento às principais economias do planeta. Ela envolve novos meios de produção de energia, veículos elétricos, semicondutores cada vez mais sofisticados, inteligência artificial e a bioeconomia.
Se o Brasil dispunha, há 80 anos, da posição geográfica favorável do Nordeste, agora conta com ativos bem mais valiosos. Tem grandes reservas de minerais estratégicos, conta com energia renovável abundante e crescente produção de biocombustíveis, além de uma rica biodiversidade.
A China já percebeu isso faz tempo. E tem presença crescente no Brasil, não apenas no comércio cada vez mais importante, como também no investimento em setores estratégicos para a economia do século 21.
Os Estados Unidos não apreciam essa tão grande aproximação e buscam retomar o espaço que já foi seu nas relações com o Brasil. Até o momento por meio de uma dura negociação. E de exigências de acesso privilegiado, por exemplo, aos minerais estratégicos e às compras governamentais.
O governo brasileiro faz bem em demonstrar a maior boa vontade possível para negociar. Inicialmente para amenizar o prejuízo imposto pelas taxas americanas. E também para reduzir a tensão política que impedia a busca de uma convivência mais harmoniosa.
Vai chegar o momento, porém, de superação desse momento mais difícil do relacionamento bilateral. E, nesse momento, haverá a oportunidade – se os dois lados quiserem – de se buscar um novo modelo de cooperação para o futuro.
As possibilidades são muitas, dos biocombustíveis à inteligência artificial, passando por data centers e energia renovável.
Ao contrário do que ocorreu na década de 1940, o Brasil não precisa – e nem deve – escolher entre duas potências econômicas. As boas relações com a China são muito importantes para a saúde da economia brasileira.
Mas sempre há espaço para melhores relações com os Estados Unidos. Algo que vá além da simples redução de tarifas. Depois de Vargas, agora é a vez de Lula demonstrar suas habilidades para ajudar a construir esse novo momento das relações bilaterais.
*Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

















You must be logged in to post a comment Login