O mundo do agronegócio vive um paradoxo: a safra de grãos 2025/2026 deve bater recorde, mas os produtores rurais enfrentam um cenário de endividamento preocupante e a rentabilidade no campo está em queda vertiginosa.
Com taxas de juros elevadas, a inadimplência nunca esteve tão alta e o número de recuperações judiciais no setor explodiu.
Esse quadro tem feito os bancos apertarem suas políticas de crédito, aumentando a distância entre o financiamento prometido no Plano Safra e os recursos efetivamente disponíveis.
“Os relatos que temos recebido indicam maiores dificuldades de acesso aos recursos, especialmente por parte dos médios produtores”, afirma o assessor técnico da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Guilherme Rios.
Os dados do Banco Central indicam que a inadimplência do crédito rural com recursos direcionados, nas operações contratadas a taxas de mercado, alcançou 9,35% em agosto de 2025.
De acordo com Rios, esse é o maior índice desde o começo da série histórica do BC, iniciada em março de 2011. O último pico, além do recente movimento de alta, ocorreu em março de 2017 — mas parou em 5,19%.
“Observa-se um endurecimento por parte dos agentes financeiros, em razão do atual cenário de endividamento, que passaram a exigir garantias reais mesmo em operações de menor porte”, diz o assessor técnico da CNA.
Por isso, a sensação é de um desânimo que contrasta com as projeções grandiosas da safra 2025/2026, afirmam entidades do agronegócio.
A Conab (Companhia Nacional) prevê 350,2 milhões de toneladas de grãos, um aumento de 0,8% sobre o volume colhido no ciclo 2024/2025, com expansão na soja e no milho.
A rentabilidade, no entanto, tem despencado. Um levantamento do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, apontou queda de 36% da margem para a soja e de 92% da margem para o milho na comparação com a safra passada.
O principal fator é o aumento persistente dos custos, especialmente insumos como fertilizantes, cuja alta chega a 20%, enquanto os preços dos grãos permanecem praticamente estáveis. As fortes oscilações cambiais também desestabilizaram o planejamento dos produtores.
No caso do milho, a margem bruta caiu de R$ 1.010 na safra 2024/2025 para apenas R$ 79 por hectare na safra 2025/2026. Incluindo despesas financeiras e de uso de terra, o prejuízo pode atingir quase R$ 1.900 por hectare.
Na semana passada, a Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul) divulgou um levantamento que mostra recuo na oferta de crédito rural.
Nos primeiros três meses do atual Plano Safra (julho/agosto/setembro), em todo o país, houve queda de 44% nos investimentos e de 23% nos recursos disponíveis para custeios em relação ao ciclo anterior.
“Estamos vivendo uma crise de crédito”, afirma o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz.
Para ele, a escassez de recursos pode impactar a safra. Há possibilidade, segundo o economista, de menos uso de tecnologia nas lavouras e um tamanho menor das áreas cultivadas.
“É uma situação extrema. Mas, como nós nunca experimentamos isso antes, entendemos que todas as possibilidades estão sobre a mesa”.
Nesse cenário, os pedidos de recuperação judicial feitos por produtores rurais somaram 2.273 solicitações em 2024, segundo dados pela Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja) e pela Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo).
O número representa aumento 61,8% em relação a 2023.
Segundo o advogado Alisson Giuliano, especialista no tema, a ferramenta é geralmente procurada pelo produtor como a “última chance” para equacionar um passivo financeiro.


















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